Confira a Entrevista e Saiba Mais Sobre a Violência Contra as Mulheres e Como Combatê-la:
Silvia, Como a desinformação afeta a compreensão e o enfrentamento da violência contra as mulheres?
A desinformação tem um impacto significativo na compreensão e no enfrentamento da violência contra as mulheres né e ela afeta de várias maneiras. Pode perpetuar estigmas negativos sobre as mulheres e suas experiências, que minimiza a gravidade da violência, que não dá visibilidade para o quanto as crianças, os filhos dessas mulheres são afetados também. A falta de informação também traz um sentimento de injustiça, falta de crença nas instituições que cuidam do problema. As mulheres ficam também sem informações de onde buscar ajuda, como acessar os serviços necessários, na minha opinião, é um dos mais graves, a falta de informação adequada, de onde ir, de onde procurar ajuda, tudo isso afeta demais aí o enfrentamento à violência doméstica. Outra questão também diz respeito às meninas, as mulheres mais jovens que também não tem compreensão sobre o que é violência às vezes acho que uma situação de ciúmes é sinônimo de amor e de repente pode avançar para uma violência mais grave sim.
Quais os mitos mais comuns sobre violência contra as mulheres que você vê no seu trabalho e pelas redes sociais?
Os mitos mais comuns dizem respeito à culpabilização das mulheres, elas tiveram responsabilidade pela violência, elas poderiam ter evitado, e que as mulheres mentem sobre a violência, isso é frequente, uma fala muito recorrente por parte dos homens, que elas mentem sobre sofrer a violência, e um outro mito é que muitas pessoas acreditam que a violência é só física, então só acontece violência quando a mulher é agredida fisicamente, mas existem inúmeras outras violências, como a psicológica, a sexual, a emocional e a econômica. Outra é a fala de que tem mulher que gosta de sofrer violência, isso é um dos mitos mais horrorosos, ninguém gosta de sofrer violência, a questão é que estar num relacionamento abusivo é muito difícil de sair desse lugar, a mulher já fica fragilizada por conta de várias violências, por conta da violência psicológica, por conta de questões financeiras, e aí quem vê de fora diz que as mulheres gostam de apanhar, gostam de sofrer violência. Uma outra questão é que a violência é um problema privado, ou seja, é um assunto que o casal tem que resolver lá na casa dele, ninguém tem que meter a colher, é ao contrário, a sociedade precisa se mobilizar e a ouvir aí um pedido de socorro, brigas, violência, tem que chamar a polícia, tem que dar publicidade, tem que dar apoio para essa mulher sair do ciclo de violência.
O que caracteriza violência psicológica é o mesmo que agressão verbal?
A violência psicológica se caracteriza por falas e situações que impactam psicologicamente a mulher, no sentido de inferiorizar ela, denegrir a sua imagem, fazer ela sentir incapaz, culpabilizar ela pelas questões do relacionamento. Então, ao longo do tempo, essa violência vai mitigando as energias dessa mulher, acabando com o seu poder, de modo que ela realmente precisa de uma ajuda para poder compreender o lugar dela na relação, quais são as questões abusivas na relação, isso é péssimo, às vezes é pior do que uma violência física, porque vai tirando o poder dessa mulher em relação ao relacionamento conjugal. E a violência psicológica não é o mesmo que a agressão verbal, porque a agressão verbal pode ser pontual, pode ser um xingamento num momento de briga, num momento de crise, a violência psicológica não, essa é aquela que afeta o bem-estar psíquico da mulher. E também é crime
O que caracteriza violência patrimonial?
Já a violência patrimonial, ela é caracterizada pela subtração, pela quebra de objetos dessa mulher. Então, por exemplo, o homem que pega o cartão de banco da mulher quando ela recebe o pagamento e ele usa esse dinheiro ou ele fica em poder dele para que ele tenha o controle das despesas, isso é uma violência patrimonial. Tem muitos homens que quebram o celular da mulher, é uma violência patrimonial. Além de uma violência psicológica também, porque às vezes ele utiliza desse recurso para que a mulher não fique com possibilidade de se comunicar com ninguém. Então, apropriação de bens, de recursos financeiros, tudo isso caracteriza violência patrimonial.
Agressão física como identificá-la?
Agressão física não é só espancamento, né? Tem mulher que acha assim, ah, ele me deu um tapa, ele me deu um empurrão, ele me beliscou. Isso não é agressão física, é agressão física. Qualquer ato que ofenda a integridade física da pessoa é uma agressão física, sim. Algumas dessas agressões não deixam marcas. marcas, então em eventual denúncia, quando a mulher vai fazer a denúncia na delegacia e vai fazer um exame de corpo de delito, algumas agressões não ficam marcas, não deixam marcas, mas é possível sim, através de testemunhas, da própria fala minuciosa da vítima, identificar e caracterizar a agressão física sim.
O abandono da parceira em caso de enfermidade é considerado uma agressão perante a lei?
Olha, o abandono da parceira em caso de enfermidade não é considerado agressão perante a lei, né? Apesar de ser uma violência, né? O indivíduo abandona a mulher que está doente, sem condições de sobrevivência, muitas vezes, isso é violento. caracterizar uma violência… eu penso que não… eu penso que não… mas isso não implica em responsabilidade civil… por exemplo… uma responsabilidade dele… dar algum recurso financeiro… uma pensão… por exemplo… para auxiliar essa parceira.
E o abandono financeiro no caso de uma parceira que foi proibida de trabalhar durante todo o relacionamento conjugal e nunca se qualificou para o mercado de trabalho também é uma agressão?
O abandono financeiro, no caso da parceira que foi proibida de trabalhar durante todo o relacionamento conjugal, isso tem que ser solicitado em uma pensão alimentícia na área cível, na vara dos direitos da família. Dependendo da situação aí eu acredito que seja possível ela comprovar danos que ela sofreu morais de ter sido impedida de trabalhar e aí consegui até um recurso financeiro maior por conta desse abuso mas eu penso que não seria um caso de violência doméstica.
No caso de a vítima de agressão não denunciar na hora ela perde o direito à justiça?
No caso da vítima não denunciar na hora uma agressão sofrida, não faz com que ela perca o direito à justiça, ela pode a qualquer momento. Como a gente já falou, a violência não é só física, ela é psicológica, ela é patrimonial, ela é sexual e ela pode ser noticiada a qualquer tempo. Com relação à agressão física, essa, quanto antes for noticiada o crime, mais fácil é dela conseguir provar, através das marcas, através do exame de corpo de delito, a ocorrência da violência física, né, então a gente recomenda que imediatamente a pessoa agredida fisicamente já vá fazer a denúncia, fazer o exame para comprovar as lesões. As demais formas de violência podem também ser imediatamente ou posteriormente relatadas à justiça.
Quando o agressor é perdoado pela mulher o processo sempre é arquivado?
Não. Dependendo do tipo de agressão, o processo corre independente dela querer ou não, né? Se for uma agressão leve e ela não quiser dar continuidade, ainda assim, o agressor pode ser processado. O que acontece mais frequentemente é a mulher pedir uma medida protetiva, ou de afastamento do lar, ou de afastamento físico da pessoa, do agressor, e aí depois ela faz as pazes com o homem e vai na delegacia pedir para retirar essa medida protetiva. Isso sim ela pode. Mas dependendo da gravidade do ato, a justiça segue o processo normal até o final, até conseguir provas, condenar ou absorver o indivíduo.
A Lei Maria da Penha protege as vítimas de relacionamentos não formais?
Sim, a Lei Maria da Penha protege as vítimas de relacionamentos não formais, ou seja, mesmo que a pessoa não esteja casada no papel, ela pode e tem os mesmos direitos, tá? Então, a lei Maria da Penha, ela protege as mulheres em relacionamento afetivo, por exemplo, pode ser namorado, ex-namorado, marido, ex-marido, convivente, ex-convivente, de modo que não precisa estar formalizada a união para que a lei Maria da Penha proteja as vítimas.
Como podemos desconstruir essas crenças que a desinformação tem ajudado a fomentar e garantir que a informação correta chegue às vítimas e à sociedade?
Olha, com relação à desinformação, eu penso que é muito necessário um grande movimento, uma campanha efetiva em todos os setores da sociedade, nas empresas, em todos os espaços públicos, instituições públicas, privadas em geral, e principalmente nas escolas. Esse trabalho com as crianças e com os adolescentes é de fundamental importância para que eles cresçam, conhecendo seus direitos, os seus limites, e possam evitar que esse ciclo de violência continue se reproduzindo. Então, eu penso que a educação na escola é fundamental, mas em todos os outros contextos, de maneira muito incisiva, muito forte, para que a gente possa começar a desconstruir essa questão do machismo, da superioridade do homem sobre a mulher e começar a modificar essa realidade.
Quais são os recursos ou canais mais confiáveis que as mulheres podem acessar para entender seus direitos?
Para as mulheres entenderem e poderem acessar os seus direitos, elas podem ir até a delegacia da mulher. Nós temos uma delegacia aqui em Ribeirão Preto especializada na mulher. Ela pode ir na defensoria pública, pode ir no ministério público e diversos sites públicos, tá? Isso é bem importante, se a gente colocar lá no Google site direito das mulheres, a gente vai encontrar vários sites que vão dar informações confiáveis. Lembrando sempre que, mediante a ocorrência de uma violência, pode ser acionada a polícia militar no 90, fizeram imediatamente… já vai ser atendida… aí… nas suas necessidades…
A delegacia da mulher atende também as meninas e os LGBTQIA+?
A Delegacia Especializada da Mulher, a DDM, também atende meninas que sofrem violência doméstica ou violência sexual, e os LGBTQIA+, também são atendidos tanto pela Delegacia da Mulher, quanto pelo Judiciário, né, pela vara da violência contra a mulher.
Silvia, você gostaria de acrescentar mais alguma informação?
Eu queria finalizar dizendo o seguinte, há muito que ser feito para a gente de fato enfrentar a violência contra a mulher. A gente precisa de serviços qualificados, distribuídos nos diversos bairros ou regiões de Ribeirão Preto, o que não temos ainda. A gente precisa de uma delegacia 24 horas, isso é muito importante, ainda não temos, e a gente precisa de um trabalho de divulgação, de informação muito sério, que abarque toda a comunidade, seja em empresas públicas ou privadas, seja nas escolas, Em todos os espaços a gente precisa ter essas informações, assim, muito acessível, né, a gente precisa levar essa informação nas comunidades, nas zonas rurais, enfim, precisa de um pacto, né, entre o setor público e privado muito forte, para que, de fato, a gente consiga alcançar as pessoas que têm menos acesso à informação. E aí a gente precisa unir esforços, a universidade é um espaço importante para que isso possa ser fomentado de verdade.
Pacote de Medidas Contra o Feminicídio e fortalecimento dos direitos das mulheres foi aprovado na Câmara essa semana.
Saiba mais:
Denuncie, ligue 180 e o atendimento é 24 horas.